sexta-feira, 9 de março de 2012

Feito de manhã, na brisa do sono

um conto subjetivo

Naquela manhã a lua ainda estava no céu. Estava claro como uma manhã deve estar às seis horas da manhã, e a lua estava lá, cheia, brilhante, grande, próxima e, acima de tudo, estava lá.
Fiz meu caminho em direção ao ponto de ônibus observando-a. A obra-prima que não precisou do homem para ser o que é, ele apenas a tornou interessante. Não, não entrego esse titulo ao homem, pois antes mesmo de nós a tornarmos interessante ela já nos encantava e mostrava assim ser.

Fui me aproximando do ponto, descia a rua deserta e observava a rara falta de movimento. Havia apenas uma mulher, a qual se dirigia ao ponto, isso do outro lado da sua, o meu destino. Mas, assim que ela se aproximava seu ônibus chegou, fazendo-a correr para pegá-lo.
Parei na faixa de pedestres esperando o farol abrir. Olhei para a lua e fiquei olhando, apenas isso. As ruas não estavam mais desertas, o que para a lua não fez a menor diferença. Dois homens pararam ao meu lado no farol ainda vermelho, vendo a rua sem sinal de carros se aproximando eles atravessaram. A prova de que não se pode parar, mesmo quando se precisa, quando se deve, quem dirá quando se quer. Não atravessei, por mais sem movimento que a rua estivesse.
Aproveitei o farol fechado para observar a lua.

O farol abriu. Do outro lado duas garotas, uma com sua mãe, outra com seu pai, uma senhora ,
um homem e um garotinho com sua babá. Nenhum olhava para o céu. Por isso a recém
movimentação era indiferente para a lua, era como se eles não estivessem lá, pois ela estava. Eu
a via.

Olhavam raramente para o céu por motivos banais. Ao espirrar, para desviar o olhar, para
estalar o pescoço. Nunca para olhá-lo, nunca para percebê-lo, nunca para notar que a lua ali
estava.

Olhavam para a ambulância que passava com suas luzes piscantes, olhavam para a viatura que
corria pela avenida, ambas conseguiam tomar a atenção de todos, fazendo-os pensar 'o que está
acontecendo aqui, ali, por lá...?' Olhavam o mendigo a dormir profundamente em um canto
qualquer com desgosto e medo. Olhavam para a estudante que atravessava a rua com os olhos
que deveriam olhar para a lua, mas para a lua não olhavam.

Com o olhar que viam o mendigo deviam ver a si mesmos e, com o olhar e atenção que davam
para a viatura e a ambulância deveriam olhar para suas vidas. Claro que o olhar que davam para
a jovem loira deveria ser direcionado para a lua. Apreciar o belo realmente belo, por dentro, por
fora, para todos e não para si mesma, ou só para poucos, ou para ninguém. Assim ela é, de todos,
mas de todos só alguns a olham. E de todos talvez ela não seja de ninguém além de si mesma.
Diferente da garota loira. Da pequena quantia de humanos no ponto, apenas eu a apreciava. Atenta a esperar meu ônibus, mas feliz em poder observá-la, em saber que ela está lá. Por ela
não precisar de atenção de seres insignificantes como nós para existir, mas existir mesmo assim
nos dando a oportunidade de prestar atenção nela.

Meu ônibus chegou. Da janela eu a observava. Não me olhei no espelho naquela manhã antes de
sair de casa. Não sabia o estado em que o headphone havia deixado meus cabelos. As pessoas me
olhavam, mas não olhavam para a lua. Olhavam quem andava, o que vestiam, para onde iam,
mas não olhavam para a lua. Julgavam, mas não contemplavam.

Ao seu oposto estava o sol. Também não olhavam para ele com medo de queimarem seus olhos.
Já pensaram que de noite temos mais medo por causa da escuridão, mas é na escuridão que
aprendemos a nos cuidar e a superar nossos medos? Se sabemos viver de noite, vivemos melhor
de dia. Mas o sol e seus raios ofuscantes nos cegam. Eles nos iluminam,, sim, nos ajudam a ver
algumas coisas melhor do que vemos durante a noite, mas não sabemos aproveitar isso. Nos mal
acostumamos, a luz do sol não mais nos ilumina, nos cega. Faz-nos esquecer de ter cuidado, já
que podemos ver de tudo, baixamos nossa guarda e muitas vezes acabamos não vendo nada.
Nada além do superficial, do visível, do que é mais fácil de se ver , do que se é iluminado.
Relevamos as sombras.

Não culpe o sol, não culpe a lua, culpe a si mesmo que os julga ou deixa de julgar. Culpe àquele
que nunca soube aproveitar ou ver, dar a devida atenção aos que sempre estiveram lá, por mais
que nunca por nós, ainda estão á para nós.

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