Entendendo o cérebro de uma existência inexistente.
Como se define o
indefinido? Ela é uma, uma hora, mas é outra outra hora. Ela é aquela
que ri, mas ela também é aquela que chora. É a mais risonha, e a mais
chorona. Ela é uma, e também é três.
Pense em uma cabeça, por trás
de caracóis coloridos uma porta. Não sugiro que você se atreva a
procurar por muitas coisas, apenas leia por ler, não se atente ao que
vou falar, a não ser que você não goste de sua sanidade. Por trás da
porta, um quarto escuro.
Uma luz se acende, não se sabe ao certo se é
pela cor da luz ou pela cor ambiente, mas tudo parece se envolver em
tons de preto, marrom e um vermelho escuro como sangue seco. Mesmo com o
ambiente em tons escuros, tudo é facilmente identificável e você se
sente em um lugar realmente claro, confuso a ponto de ser paradoxal.
Naquele lugar você consegue ver um sofá, uma mesa, duas portas e vários
arquivos, arquivos mortos. O chão é marrom escuro com círculos
vermelhos próximos ao centro, as paredes parecem escurecer em direção ao
teto, talvez elas sejam simplesmente altas demais, talvez não. Quanto
ao teto, é branco e brilhante como se ele não existisse e ali estivesse a
lua brilhando forte como nunca brilhara antes.
No sofá, duas
garotas muito parecidas. Poderiam ser gêmeas se não fosse visível a
diferença de idade. A mais velha tinha cabelos cacheados longos, iam até
um pouco a baixo do ombro. Usava uma tiara vermelha, um casaco vermelho
sobre uma blusa branca e um shorts vermelho. A mais nova tinha cabelos
curtos, presos em dois rabos. Vestia uma jardineira azul claro cor de
céu, as alças da veste tinham botões da cor do tecido, e na área barriga
um bolso arredondado preenchendo um grande espaço. Ambas tinham uma
pele clara, talvez pela falta de luz, e olhos castanhos brilhantes.
Em questão de personalidade, porém, elas eram bem diferentes. A mais
velha tinha uma mentalidade adulta, correta. Era intelectual, vivia pela
racionalidade e não pelas emoções. Sabia escrever, entender, ler,
calcular, traçar, medir movimentos. Ela também sabia guardar seus
sentimentos e sorrir. Sorrir como sempre se deve sorrir, ou seja, como
um gato de cheshire. Já, a mais nova, era infantil. Completamente o
oposto da primeira ela sentia mais do que pensava, agia, criava, expunha
sentimentos e inventava significados. Ela não vivia pela racionalidade,
gostava de se entregar e amar como uma criança, era insana. Seus
sentimentos eram puros, e ela não ligava de chorar se queria chorar, ou
se podia chorar.
Eram iguais, mas eram opostos. Se completavam, mas não se equilibravam.
Por de trás de uma porta, uma sombra. Fazia um bom tempo que ele não
saia de lá. Suas roupas eram brancas e cinzas com detalhes em preto,
usava um chapéu de pierrot. Seus olhos eram duros e cruéis, e naquele
lugar estranho era chamado de coringa. Era bonito, sua pele era parda e
um sorriso horas brincalhão, horas cínico, horas duro e seco se mantinha
em seu rosto. Sua personalidade era diferente das duas. Ele agia como
mediador, ou como estopim para conflitos. Podia defender uma, ou outra,
ou as duas, ou discordar delas. Uma criatura estranha, nem sempre anda
muito com a estima, quase sempre foge do ego. Quanto mais forte o ego
estiver, menos ele irá se manifestar.
O ego é um monstro, ele o
oprime. Não o permite se expressar... Talvez o que ele faça lá naquele
cubiculo seja cuidar das garotas, mantê-las caladas para que não falem
demais, nem façam demais... Para que não se esqueçam quem elas são...
Ele mesmo é a estima. E só gosta de sair quando pode opinar, e gosta de
opinar quando está para baixo. Adora estar de cabeça para baixo e assim
tudo deixar.
Na outra porta vive algo que quase nunca deve sair. Espie pela janela e veja com seus próprios olhos.
Por trás da fechadura você vê um espaço todo preto, novamente o teto
parece não existir e um brilho forte vem de cima iluminando
perfeitamente o local obscuro. Por trás de uma jaula de barras de ferro
cinzas brilhosas uma garota idêntica às duas primeiras. Porém seus
cabelos eram longos, até o calcanhar. Usava um vestido justo longo
rasgado nas pontas em um tom tão escuro de roxo que podia ser confundido
com preto. Seu sorriso era cruel, e seus olhos não tinham o brilho
maturo, nem o brilho inocente das outras duas. Tinha um brilho cruel e
malicioso.
Ali ninguém entra, de lá nada poderia sair. É lá que
está guardado o lado obscuro de muitos anos. E de lá ela sai? Sim, sai. É
muito mais fácil sair quando todos estão dormindo, aliás, pois a
segurança, o auto-controle, está fraco demais para raciocinar e ver o
que é certo e o que é errado. E quando ela sai ninguém a segura. Ela é
flexível, quase elástica. Na verdade, é elástica, pois muitas vezes
consegue se esticar pelas barras e passar alguns dedos por de baixo da
porta. Suas unhas longas e negras brilham nas pontas dos dedos, e só
este simples gesto já é o suficiente para o brilho cruel se refletir nos
olhos de todos os outros.
Não que a garota seja assustadora, porém a
aura que emana é o suficiente para te provar que observar por muito
tempo não é uma boa ideia. Também não temos muito a falar sobre ela,
pois ninguém se atreveu a conviver o suficiente para estudá-la e
entendê-la. E aqueles que isso fizeram preferem relevar, ou não pensar
sobre o assunto, por ser tão seco e real que assusta existir.
Feche
os olhos e respire fundo. Por trás da porta do coringa ele se virou em
sua cama (pois naquele cômodo existe uma cama, e nada mais. É o refugio
dele quando o monstro ego aparece, e ele ri ao pensar em como as coisas
ficarão de cabeça pra baixo quando o ego se for.) Na jaula, a jovem de
cabelos longos ondulados sorriu para você (o arrepio na sua espinha foi o
suficiente para que aquela imagem se grave em sua memória e você
entenda o porquê de todos preferirem relevar aquela criaturinha) e por
ultimo as duas garotas sorriem para você enquanto de lá você sai. A de
vermelho arquiva as memórias, arruma os arquivos mortos pacientemente,
enquanto a pequena enche o olhar de brilho ao lembrar de pequenas coisas
e criar com elas grandes histórias. Agora, abra os olhos.
–Eu
te disse... Não sou difícil de entender, mas também não sou algo que
humanos estejam prontos para encarar... – disse a existência
inexistente ao lhe entregar um copo d’água.
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